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Entrevista com Axel Rivas

O educador não é mais apenas aquele que educa, mas aquele que, educando, é educado através do diálogo com o educando, que, sendo educado, também educa.

Paulo Freire [1]

“O que se ensina e o que se aprende não pode ser decidido por poucos ou de uma só vez: requer várias conversas abertas, sinceras e desafiadoras. Exige adultos e jovens – porque os alunos também devem estar presentes nessas conversas – que se façam boas perguntas e tenham coragem de investigar suas respostas”, diz Axel Rivas[2].

Se realmente queremos melhorar a educação, é necessário criar espaços onde possamos ouvir a voz de todos os afetados pela educação. Precisamos de mais conversa e de uma conversa mais plural. Vozes cada vez mais variadas. Mais profundidade e menos escândalo. Precisamos assumir que a melhoria escolar é antes de tudo uma responsabilidade social e coletiva. É uma responsabilidade de todos. Se algo ficou claro neste período de excepcionalidade educacional, é que o principal desafio educacional não é realmente (ou exclusivamente) educacional, mas social. E que ambos, sociedade e escola, escola e sociedade, estão intimamente ligados a ponto de não haver melhoria possível da escola sem melhoria do social. Pois não há melhoria do social sem melhoria da escola. Desfazer esse nó é o que os professores fazem todos os dias em suas salas de aula.

Resolver os desafios educacionais atuais vai além do desenho de políticas escolares (ver conversa com César Coll aqui) e envolve, sem dúvida, ser capaz de abrir debates sinceros sobre o que nosso esforço educacional deve buscar; sobre quais devem ser os parâmetros de uma boa educação; e sobre o que entendemos ser educacionalmente desejável[3]. Precisamos de tempo para refletir na escola, sobre a escola, com a escola e para a escola. Precisamos “abrir um convite para construir diálogos sobre o futuro da educação”. O que inevitavelmente acontece para abrir espaços para a pergunta, porque se perguntar genuinamente sobre algo é a melhor maneira de iniciar uma conversa. Também, e principalmente, nas escolas e dentro das salas de aula.

Provavelmente um dos grandes desafios educacionais da atualidade é ensinar a fazer boas perguntas e ter coragem de buscar as respostas. “Já não é possível sair da escola como um barco de respostas que se afunda no mar pela falta de sentido que acumulam no momento de sair para navegar o mundo. Os alunos devem sair do sistema educacional cheios de dúvidas, como todos que aprenderam para conquistar o conhecimento.[4]

Abrir espaços à pergunta supõe uma dupla abertura, porque perguntar é abrirFazer perguntas nos coloca diante da possibilidade de troca e reconhecimento do outro. É abrir-se aos outros e com os outros. Mas pedir nem sempre é confortável, disse Freire[5]. Perguntar é se expor e correr riscos. Na escola, devemos evitar cair no perigo de burocratizar as questões. Quando uma pergunta perde a capacidade de surpreender, torna-se burocrática[6]As perguntas, na escola, não devem buscar tanto as respostas, mas abrir-nos ao questionamento, despertar o interesse e a curiosidade, tornar-nos sujeitos atentos.

“Fazer boas perguntas envolve questionar o mundo usando o conhecimento. Implica desenvolver faculdades de pensamento crítico e autônomo, mas também uma racionalidade científica, uma variedade de habilidades cognitivas para abrir caminho na conquista do conhecimento. Fazer boas perguntas faz parte da disposição de um sujeito inquisitivo, curioso, um sujeito formado para desenvolver conhecimento, não para prestar atenção ao que foi ensinado”, diz Axel Rivas[7]Precisamos ensinar certas habilidades, como a capacidade de pensar criticamente, a capacidade de compreender, habilidades de colaboração, habilidades de transferência, pensamento complexo. Algo que, um tanto paradoxalmente, parece ser cada vez mais exigido pelo mundo dos negócios. “As empresas agora colocam em seus anúncios que querem pessoas criativas, que tragam projetos, que sejam inquietas, questionadoras, ou seja, competências que seriam incompatíveis com um sistema de trabalho do século 19”, diz Axel Rivas nesta conversa.

Quando se ensina a construir o próprio caminho, está-se também a abrir uma porta para uma transformação, por vezes muito silenciosa, que é a transformação do conhecimento, a aprendizagem do sujeito.

Estar ciente, como diz David Perkins, de que “a habilidade por si só não é suficiente para garantir um desempenho contínuo”, que pensar bem, saber fazer boas perguntas, requer mobilizar o que ele chama de “disposições de pensamento”. Pensar bem é, na verdade, uma questão disposicional, envolvendo uma tríade de habilidades, sensibilidades e inclinações apropriadas, em que as sensibilidades referem-se à capacidade de estar atento às ocasiões apropriadas para exibir o comportamento, e as inclinações referem-se à tendência de realmente se comportar de uma certa maneira[8].

Mas avançar nessa linha significa “pensar em como podemos sempre construir uma dupla entrada para a aprendizagem”, e nos leva, diz Axel Rivas, “a um desenho curricular mais limitado, com colunas mais fortes e menos prescrições, e ao mesmo tempo com convites a todos os espaços que vão desde a formação de professores até o desenho do sistema educacional para que esse papel de autoria curricular possa ser exercido nas salas de aula e nas escolas, para se pensar como administrador de significados e gestor de pessoas que estão vivendo conhecimento, mas não estão tendo que passar por isso da mesma forma, ao mesmo tempo e fazendo os mesmos exames.”

O currículo é o tempo.

Por outro lado, “para desenvolver a capacidade de pensamento crítico, de criatividade, de gerar valores éticos”, precisamos de um certo isolamento, precisamos da separação dos lares, da partilha, da construção do grupo como potência diferente do individual. Precisamos repensar a própria ideia de escola como scholè, como tempo e espaço diferenciados. Pensar a escola como tempo livre, como tempo separado do tempo de produção (utilidade imediata), do tempo de casa (oikos) e da sociedade, polis[9]. De alguma forma, e isso parece um pouco paradoxal, mas não é, para que a escola funcione, para que ela nos forneça os conhecimentos, habilidades e competências necessárias para viver plenamente em sociedade, ela deve estabelecer uma espécie de fronteira com essa mesma sociedade.

“O sistema educacional moderno contou com a fronteira para intervir em grande escala sobre os alunos: separou o interior do exterior, institucionalizou o ensino e escolarizou a aprendizagem[10]”. Mas desde a década de 1960, quando a escolarização atingiu os maiores picos de abrangência territorial de sua história, a fronteira começou a esmaecer. A penetração do social fora das escolas funciona como um processo de dessacralização institucional e deixa os professores como “soldados” de base em batalhas dispersas contra a interpretação das normas, os problemas sociais e a distração das telas que se impõem dentro e fora das salas de aula[11]. Por isso, a pretensão da empresa, do mercado de trabalho ou dos problemas sociais de ditar o que as escolas devem fazer, o que devem ensinar e como devem fazer é problemática. Devemos de alguma forma reconstruir essa fronteira. Mas não queremos a velha fronteira exclusiva, nem uma fronteira que descuida das realidades, contextos e desejos dos jovens. “Diante da queda da fronteira escolar tradicional, é hora de construir uma nova membrana de poder para o sistema que não se baseie no medo ou na fantasia da gamificação: uma membrana que empodere os sujeitos[12]” .

Não podemos mudar a escala do sistema. Não se trata tanto de revolucionar o currículo, ou a escola, mas como temos insistido neste projeto de conversas em torno do sentido da escola, de repensar a escola e o seu sentido. Pensando em como podemos fazer a escola fazer sentido para todos. Também para professores.

Reconstruir uma nova fronteira que nos isola e protege, ao mesmo tempo que nos liga ao mundo e nos conecta com a nossa vida, certamente requer “dar um pouco mais de liberdade de apropriação curricular para que os professores possam usar sua própria contextualização, sua própria dose de sentido, sua próprio interesse também, e permitir essas trajetórias mais individuais.”

Repensar a escola requer uma perspectiva histórico-cultural que problematize os discursos simplificadores da educação. Oponha-se a todos aqueles que procuram simplificar a complexidade do ato de ensinar e do trabalho das escolas. Partindo do princípio de que aprender é difícil e que ensinar é uma tarefa muito mais complexa do que muitos supõem, repensar a escola exige, como dizia Philippe Meirieu, compreender que “normalmente, na educação, as coisas não funcionam: que o outro resiste, se esconde ou se rebela. O normal é que a pessoa que está a ser construída à nossa frente não se deixe levar, nem mesmo se oponha, por vezes simplesmente para nos lembrar que não é um objeto em construção, mas um sujeito que se constrói[13]”. Repensar a escola requer entender o que a escola é e o que ela não é. Repensar a escola é também reconhecer que professores e alunos é que devem liderar as mudanças. E repensar a escola é também, como diz Axel Rivas, ter “um respeito fundamental pelo trabalho docente. Esse respeito não pode vir de quem não é capaz de entender que são os professores que hoje fazem um mundo mais justo. É preciso partir de uma profunda empatia com os atores do sistema. Professores colocam seus corpos todos os dias para criar doses maiores de inclusão e proteção social para os mais fracos, estabelecem regras adversas ao cinismo que reina na sociedade, buscam consolidar pensamentos poderosos no império da distração. Nada pode ser feito se eles forem vistos como inimigos, como no passado, ou apresentados à sociedade como o problema. Repensar a escola supõe, como dissemos no início, ter múltiplas conversas com adultos e jovens, com professores e alunos.

Carlos Magro

@c_magro

[1] Paulo Freire (1968). Pedagogía del oprimido. Siglo XXI. p.61
[2] Axel Rivas (2019). ¿Qué hay que aprender hoy?: De la escuela de las respuestas a la escuela de las preguntas. Madrid: Fundación Santillana. p.75
[3] Gert Biesta (2014). ¿Medir lo que valoramos o valorar lo que medimos? Globalización, responsabilidad y la noción de propósito de la educación. Pensamiento Educativo: Revista de Investigación Educacional Latinoamericana. Vol.51 (1):46-57
[4] Axel Rivas (2019a). ¿Qué hay que aprender hoy?: De la escuela de las respuestas a la escuela de las preguntas. Fundación Santillana. p. 9
[5] Paulo Freire (2013). Por una pedagogía de la pregunta. Siglo XXI. p. 70
[6] Freire, P. (2013) Por una pedagogía de la pregunta. Siglo XXI. p.76
[7] Axel Rivas (2019a). ¿Qué hay que aprender hoy?: De la escuela de las respuestas a la escuela de las preguntas. Madrid: Fundación Santillana.  pp.10-11
[8] Shari Tishman , Eileen Jay & David N. Perkins (1993) Teaching thinking dispositions: From transmission to enculturation, Theory Into Practice, 32:3, 147-153
[9] Masschelein, J. (2019). La escuela como práctica y tecnología de la pertenencia al mundo (Trad. B. A. Morantes, & J. G. Díaz). Praxis & Saber, 10(24), 387-399
[10] Axel Rivas (2019b). ¿Quién controla el futuro de la educación? Buenos Aires. Siglo XXI. p.19
[11] Axel Rivas (2019b). ¿Quién controla el futuro de la educación? Buenos Aires. Siglo XXI. p.20
[12] Axel Rivas (2019b). ¿Quién controla el futuro de la educación? Buenos Aires. Siglo XXI. p. 210
[13] Philippe Meirieu (2003). Frankenstein educador. Barcelona: Alertes. p. 5

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