Entrevista com Pablo Bongiovanni
A pandemia colocou sobre a mesa o claro-escuro de nossas sociedades e nossos sistemas educacionais. Mostrou-nos os nossos pontos fortes, mas também as nossas fraquezas. Colocou-nos perante o espelho da nossa realidade, e a reflexão devolveu aspectos positivos como a capacidade de reação e o empenho docente, apesar das dificuldades e muitas vezes da falta de apoio, e valorizou aspectos da escola que havíamos esquecido (por exemplo, o fato de ir e estar na escola). Mas também nos mostrou as costuras quebradas e os enormes desafios que temos pela frente, como sistemas, escolas, professores e profissionais da educação. Nas palavras de Axel Rivas, com o confinamento a presença caiu; o tempo caiu; o currículo foi desmontado; a motivação, baseada no dever externo, foi reduzida; e a harmonia e o (falso) equilíbrio das coisas [1] foram desfeitos. E ficou muito difícil, em alguns contextos impossível, continuar a estudar e manter o direito à educação. A pandemia tornou-nos plenamente conscientes de que suspender a escola presencial dificulta o funcionamento da suspensão (saída temporária da ordem e do uso habitual das coisas[2]) com que a escola funciona, dificultando enormemente a tarefa pedagógica.
A pandemia colocou sobre a mesa o claro-escuro de nossas sociedades e nossos sistemas educacionais. Mostrou-nos os nossos pontos fortes, mas também as nossas fraquezas. Colocou-nos perante o espelho da nossa realidade, e a reflexão devolveu aspectos positivos como a capacidade de reação e o empenho docente, apesar das dificuldades e muitas vezes da falta de apoio, e valorizou aspectos da escola que havíamos esquecido (por exemplo, o fato de ir e estar na escola). Mas também nos mostrou as costuras quebradas e os enormes desafios que temos pela frente, como sistemas, escolas, professores e profissionais da educação. Nas palavras de Axel Rivas, com o confinamento a presença caiu; o tempo caiu; o currículo foi desmontado; a motivação, baseada no dever externo, foi reduzida; e a harmonia e o (falso) equilíbrio das coisas [1] foram desfeitos. E ficou muito difícil, em alguns contextos impossível, continuar a estudar e manter o direito à educação. A pandemia tornou-nos plenamente conscientes de que suspender a escola presencial dificulta o funcionamento da suspensão (saída temporária da ordem e do uso habitual das coisas[2]) com que a escola funciona, dificultando enormemente a tarefa pedagógica.
Tudo é incerteza. A pandemia obriga-nos a repensar, mais uma vez, o significado da escola e o papel da escola na nossa sociedade[3]. Demorou apenas alguns dias para percebermos como as escolas são importantes em nossas vidas, para entender como é difícil educar em casa e como é importante ir e estar na escola.
Uns mais, outros menos, mas todos nesses dias de confinamento compartilhavam um duplo desejo um tanto paradoxal, que foi perfeitamente expresso pelo filósofo espanhol Santiago Alba Rico: queríamos nos livrar da ameaça o mais rápido possível, mas não queríamos voltar à normalidade[4]. A frase ainda ressoa em nossas cabeças. Voltar à normalidade, sim, mas evitar voltar a uma normalidade fantasiosa em que vivíamos e vivemos.
Demorou apenas alguns dias para percebermos como as escolas são importantes em nossas vidas, para entender como é difícil educar em casa e como é importante ir e estar na escola.
Se algo ficou claro para nós (resta saber se conseguiremos) é que precisamos de políticas educacionais que vão além da escola. A compensação das desigualdades envolve investimentos nas escolas, mudanças curriculares e outras formações de professores (iniciais e permanentes); e também investimentos sociais. Devemos pensar na escola e nos seus recursos, mas também na situação em casa e nas inseguranças que envolvem os alunos e as famílias. Devemos, diz César Rendueles, deixar de pensar na educação como o motor privilegiado da equidade e considerar o contrário, que, sem igualdade social, sem um ethos igualitário generalizado, é impossível qualquer projeto de democratização e aperfeiçoamento pedagógico universalista.[5]”
A pandemia está nos mostrando em toda a sua magnitude as múltiplas desigualdades sociais, econômicas, culturais e tecnológicas que atravessam e condicionam a educação. Muitos dos desafios da educação não são educacionais, mas sociais. Eles também não são novos. São muitos os dados que apontam há anos para a necessidade de uma mudança educativa que nos permita responder aos desafios educativos do nosso tempo.
Desafios que têm a ver com o significado da escola hoje, com nossas concepções de ensinar e aprender, com o olhar que temos para nossos alunos, com as expectativas que depositamos neles, com a relação entre tecnologia e educação, com questões como liderança, colaboração entre professores, desenvolvimento profissional, vínculos com outras escolas e com outros espaços de aprendizagem, a necessidade de criar redes. Há algum tempo falamos sobre esses temas com professores, acadêmicos e pesquisadores da área educacional no âmbito do projeto En clave de Educación, da Fundação Santillana.
Um dos aspectos que a pandemia evidenciou é a existência de três lacunas tecnoeducativas: a primeira é a do acesso a dispositivos e conectividade; a segunda, a do uso, que tem a ver principalmente com o tipo de uso que damos a essa tecnologia; e a terceira, aquela que separa a escola da sociedade. Três lacunas das quais já nos falava Pablo Bongiovanni na conversa que tivemos com ele na cidade de Rosario (Argentina) alguns meses antes da pandemia.
A crise nos mostrou a fragilidade de nossos sistemas educacionais em termos de digitalização, mas também tornou visíveis outros desafios não tecnológicos relacionados ao currículo, o que devemos aprender, as principais aprendizagens, competências e habilidades, as metodologias mais adequadas, as formas de avaliar o que foi aprendido e a organização escolar.
“Já havia uma profunda desigualdade no acesso aos recursos digitais, dispositivos, conexão com a internet, conhecimentos específicos para explorá-los. Com a chegada da pandemia, essa lacuna foi decisiva para poder acessar o trabalho, a comunicação, o estudo, a compra de necessidades básicas, o lazer ou a vida sentimental”, escreve Esteban Magnani.[6] “Se nos afastarmos um pouco dos centros urbanos, dos centros mais urbanos, vemos professores que se deparam com realidades muito duras: por exemplo, a do professor que trabalha numa escola que normalmente não tem eletricidade — acontece comigo às vezes, quando vou dar aula de tecnologia e não tem luz a manhã toda. Então, entre essa realidade e a realidade em que todos os serviços e outros são assegurados, já existe um cinza, uma nuance”, diz Bongiovanni.
A questão não é mais se tecnologia sim ou tecnologia não, mas qual tecnologia, produzida por quem, para que queremos essa tecnologia e como queremos usá-la? A aprendizagem no século XXI passa, sim ou sim, pela competência digital de alunos e professores para buscar informações, criar artefatos digitais e participar de uma comunidade virtual de aprendizagem, diz Fernando Trujillo (você pode ver aqui a conversa que tivemos com ele neste projeto) em Como ensinar além do presencial[7].
Na mesma publicação, Ramón Montes defende que “a escola que devemos construir nesta pandemia e depois dela exigirá absolutamente o desenvolvimento de mais e melhores competências digitais nos nossos alunos[8]”. Algumas competências, continua Montes, que devem preparar nossas crianças e jovens no uso correto da tecnologia, tanto no consumo quanto na produção de informação.
Temos clareza de que as tecnologias digitais não podem responder por si só aos problemas socioeducativos.[9] Mas abrem oportunidades fascinantes, diz Fernando Trujillo. “Fornecem ferramentas úteis para gerenciar o aprendizado e o ensino, aumentando nossa eficácia em relação a ambas as tarefas. Multiplicam nossa capacidade de aprender fazendo e de disseminar os resultados de nosso aprendizado. Abrem possibilidades de contato com outras realidades e pessoas para além do nosso sempre limitado meio geográfico[10].”
A crise nos mostrou a fragilidade de nossos sistemas educacionais em termos de digitalização, mas também tornou visíveis outros desafios não tecnológicos relacionados ao currículo, o que devemos aprender, as principais aprendizagens, competências e habilidades, as metodologias mais adequadas, as formas de avaliar o que foi aprendido e a organização escolar. O grande desafio é o que vamos mudar e como vamos fazer, diz Pablo Bongiovanni.
Numa investigação realizada durante os meses de confinamento na Espanha[11], a comunidade educativa e sobretudo os professores apontaram a necessidade de rever o currículo em profundidade, de modo a dar mais atenção “às competências e às aprendizagens que até agora tinham mais a ver com conteúdos mais transversais e que muitas vezes foram injustamente relegados para o papel central de conteúdos mais acadêmicos: a aprendizagem autônoma dos alunos, as competências digitais, a promoção da saúde ou a necessidade de uma elevada compreensão leitora”.
A pandemia e o confinamento generalizaram a preocupação dos professores para que os alunos desenvolvam competências como aprender a aprender ou a capacidade de autogestão da sua aprendizagem, que por sua vez estão intimamente relacionadas com a autonomia, a responsabilidade e a capacidade de prestar atenção a algo. A escola é, na verdade, um dispositivo atencional e os professores podem ser vistos como professores da atenção: chamar, sustentar, melhorar e disciplinar a atenção seriam as principais tarefas do professor[12]. Quando trabalhamos com propostas educativas, afirma Pablo Bongiovanni nesta conversa, “quando trabalho com um professor ou quando eu mesmo proponho algo em sala de aula, preciso me perguntar que oportunidades estou abrindo para que essas habilidades sejam desenvolvidas”, para até que ponto estou facilitando o desenvolvimento do olhar atento e da escuta generosa. Deixo vocês com a conversa.
Carlos Magro
[1] Rivas, A. (2020). Pedagogía de la excepción. ¿Cómo educar en la pandemia? Universidad de San Andrés. Disponible en https://www.udesa.edu.ar/sites/default/files/rivas-educar_en_tiempos_de_pandemia.pdf
[2] Masschelein J. y Simons, M. (2014). Defensa de la escuela. Una cuestión pública. Buenos Aire: Miño y Dávila
[3] Fundación Santillana (2020): La escuela que viene. Reflexión para la acción. Fundación Santillana,
Madrid. Disponible en https://laescuelaqueviene.org/download/2491/
[4] Alba Rico, S. (23/03/2020). Escenarios de futuro. IECCS. Accesible en https://www.ieccs.es/2020/03/23/escenarios-de-fututo-santiago-alba-rico/
[5] Rendueles, C. (2020). Contra la igualdad de oportunidades. Un panfleto igualitarista. Barcelona Seix Barral. pp. 293-294
[6] Magnani, E. (2020). Educación y tecnologías. Adentro de la caja. En Dussel, I., Ferrante, F., y Pulfer, D. (compiladores). Pensar la educación en tiempos de pandemia. Entre la emergencia, el compromiso y la espera. UNIPE: Editorial Universitaria, 2020
[7] Trujillo Sáez, F (ed.). (2020). Cómo enseñar más allá de la presencialidad: plan A, B y C para una enseñanza a prueba de virus. Pp.51-60, p. 59, en Aprender y enseñar en tiempos de confinamiento. Madrid: Catarata.
[8] Montes Rodríguez, R. (2020). Educación no es solo contenidos. El objetivo del desarrollo integral de la persona. pp. 86-101, p.98, en Trujillo Sáez, F (ed.). (2020). Aprender y enseñar en tiempos de confinamiento. Madrid: Catarata.
[9] Selwyn, N. (2017). Digital Inclusion: Can we transform education through technology? En P. Rivera-Vargas et al. (coords.). Conocimiento para la equidad social. Pensando en Chile globalmente. (103-118). Santiago, Chile: Colección Políticas Públicas. Universidad de Santiago de Chile
[10] Trujillo-Sáez, F. (21/09/2016). Sobre tecnología, docencia y grandes corporaciones. https://fernandotrujillo.es/sobre-tecnologia-docencia-y-grandes-corporaciones/
[11] Trujillo-Sáez, F.; Fernández-Navas, M.; Montes-Rodríguez, M.; Segura-Robles, A.; Alaminos-Romero, F.J. y Postigo-Fuentes, A.Y. (2020). Panorama de la educación en España tras la pandemia de COVID-19: la opinión de la comunidad educativa. Resumen Ejecutivo. Madrid: Fad. p. 17. Disponible en https://www.campusfad.org/educacion-conectada/estudios-investigaciones/panorama-educacion-pandemia/
[12] Larrosa, J. (2019). Esperando no se sabe qué. Sobre el oficio de profesor. Barcelona. Candaya. p. 191