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Entrevista com César Coll

"Um aprendiz competente não se identifica pelo que já aprendeu e pode demonstrar que sabe em uma prova de desempenho, mas pelo que ainda não sabe, mas é capaz de aprender", escreveu César Coll há alguns anos em recomendável e inspirador e revelador do título do texto: “Formal education in the new ecology of learning”. Um texto em que Coll também argumentava que “seria um erro pensar que não há relação entre ser um bom aluno e ser um aprendiz competente”.

Palavras que, embora o próprio Coll esclareça que seria ainda pior pensar e agir como se fossem iguais, claramente nos convidam a fugir de posições dogmáticas e oposições simplificadoras que nos distanciam de uma compreensão profunda da complexidade educacional.
Ensinar está longe de ser uma tarefa fácil. É uma atividade incerta, contextualizada e sempre construída em resposta às particularidades do cotidiano escolar. Ensinar é uma tarefa complexa, “trabalhosa, paciente e difícil. Muito mais do que as pessoas acreditam e muito mais do que os políticos pensam”, diz Francisco Imbernón. Está longe de ser uma questão técnica. Ao contrário, é algo profundamente ligado à ação e à prática. É uma prática racional, reflexiva e intencional, mas também subjetiva e altamente incerta. Requer improvisação, conjectura, experimentação e avaliação, qualidades muito distantes de uma concepção puramente técnica dele. Exige, por parte dos profissionais, uma reflexão contínua sobre, a partir e na prática.

Não consigo pensar no que ensinar e no que aprender se não pensar em que tipo de sociedade quero promover e que tipo de pessoa nessa sociedade quero promover.

Voltando às palavras de César Coll, elas também são especialmente esclarecedoras em momentos como o atual, em que conceitos como escola, ensino, estudo, professor e aluno foram largamente substituídos, como argumenta Gert Biesta, por uma nova linguagem em torno da aprendizagem (ambientes de aprendizagem, a mediação da aprendizagem, a aprendizagem e o aprendente). Uma tendência que Biesta chamou de aprendizagem da educação (learnification of education) e que consistiria na substituição da linguagem educacional pela linguagem da aprendizagem e na “tendência a referir-se aos professores como facilitadores da aprendizagem, ao ensino como criador de oportunidades de aprendizagem, às escolas como ambientes de aprendizagem, aos alunos como aprendentes e aos adultos como adultos aprendentes, ao campo da educação de adultos como aprendizagem ao longo da vida e educação em geral como o processo de ensino/aprendizagem”.

Embora Cesar Coll nos alerte que não podemos separar o aluno do aprendiz, sabemos que não são termos sinônimos, e que não é a mesma coisa falar de estudar e falar de aprender, nem o mesmo ser um estudante como ser um aprendiz. E se falamos da escola, seu significado e educar na escola, parece razoável lembrar, como aponta Larrosa, citando Robert McClintok, que o conceito educacional fundamental seria estudar e não ensinar ou aprender. O “estudo não tem a ver com a aquisição de conhecimentos ou competências ou, em geral, com a obtenção de resultados de aprendizagem, mas com a formação do sujeito e com a transformação da sua relação com o mundo, ou seja, com torná-lo mais atento, cuidadoso, denso e profundo” (McClintock, 1971). Onde a ideia de formação do sujeito seria fundamental. A educação tem a ver com o que nos acontece, “e enquanto nos acontece, molda-nos, transforma-nos, deforma-nos ou conforma-nos”

A escola é o dispositivo de que nos munimos para realmente fazer com que as pessoas se construam como pessoas.

O problema com a linguagem da aprendizagem no discurso educacional “é que ela torna as questões críticas sobre conteúdo, propósito e relacionamentos mais difíceis, se não impossíveis.  "E, como sustenta César Coll nesta conversa, não faz sentido, não posso "pensar no que ensinar e no que aprender, se não pensar em que tipo de sociedade quero promover e que tipo de pessoa nesta sociedade eu quero promover". Além disso, continua, “quando eu, professor, tento fazer isso na minha sala de aula, não consigo se não passar por situações específicas. Então, eu tenho que escolher e isso me leva à questão da dimensão ética, moral, ideológica”.

Ensinar é sempre algo orientado e é uma atividade profundamente situada. A educação, ao contrário da aprendizagem, é sempre enquadrada por um telos, por fins, por um sentido de propósito. “O que vai me levar a dizer se tenho ou não que colocar alguma coisa é pensar que essa coisa que eu tenho que colocar no currículo está de acordo com o que eu acho que cada pessoa deveria fazer e poder fazer nesta sociedade ou não”. Você sempre tem que escolher. A questão do propósito é a questão educacional central. “Somente quando temos clareza sobre o que queremos alcançar por meio de nossos esforços educacionais, é possível tomar decisões significativas sobre o que e como de tais esforços, ou seja, decisões sobre conteúdo e processos”. É por isso que a linguagem da aprendizagem e das competências é uma linguagem insuficiente. “Pensava-se que definir o que ensinar e aprender por competência, ou seja, enfatizar a aplicabilidade, a funcionalidade, a experiência e a situação, resolveria o problema do significado e o problema do fracasso”, diz. Uma competência, diz Coll nesta conversa, está sempre ligada a um contexto. E esse contexto é um contexto situado e cultural”. A questão seria: como caminhar para uma definição de competências que não as transforme em algo puramente técnico, algo formal, algo burocrático que tenha que ser preenchido colocando não sei quantas colunas, mas sim que dê lhes esta dimensão moral, ética e ideológica?

O sentido da escola, a finalidade fundamental da educação escolar seria então "decidir o tipo de pessoa que queremos ser e o tipo de mundo em que queremos viver, diferenciar claramente os interesses daqueles de nós que começamos a abrir-nos a novos interesses que ampliem nosso horizonte pessoal, vão além da satisfação de desejos imediatos para acomodar desejos desejáveis”.

Essa defesa da escola, do ensino e do estudo como categorias educativas e da crítica às abordagens dominadas pela linguagem da qualidade, da eficiência, do desempenho, do que funciona e da mensuração, não ignora a necessidade, quase urgência, de pensar e repensar a escola.

Para César Coll, o sentido último da escola continua o mesmo. "É o dispositivo com o qual nos equipamos para realmente fazer com que as pessoas se construam como pessoas", diz ele. “O problema que a escola tem é que a sociedade para a qual continua a formar cidadãos mudou profundamente.” Por isso é importante repensar a escola. “A escola deve ser profundamente repensada para que continue cumprindo sua função porque é a única que pode fazê-lo como instituição.”

Repensar a escola, para Coll, não é tanto uma questão de expandir currículos infinitamente, incorporar novas disciplinas ou listas intermináveis ​​de habilidades. Nem, só, uma questão de abrir a escola para o meio ambiente, nem de trazer o meio para a escola é mais sobre entender a escola como “um nó numa rede de contextos de atividade que oferecem recursos e oportunidades para aprender”. Ou recuperando uma bela imagem que César Coll nos sugere na conversa, entendendo que a escola pode e deve funcionar também como um saguão de acesso a outros ambientes de aprendizagem que, de outra forma, não poderiam ser acessados ​​ou apenas alguns poderiam acessar. Por isso sua insistência de que as políticas educacionais não podem mais ser apenas políticas escolares. Se aprendemos algo com a situação causada pela pandemia, é que as enormes desigualdades que continuam a existir no mundo da educação não podem mais ser enfrentadas apenas a partir da escola. As políticas de equidade têm de continuar a ser eruditas, mas não podem continuar a ser apenas académicas. Precisamos de mais escola do que nunca, mas a escola sozinha não pode.

Carlos Magro

@c_magro

[1] Coll, C. (2013). La educación formal en la nueva ecología del aprendizaje: tendencias, retos y agenda de investigación en Rodríguez Illera, J.L. (Coord.) Aprendizaje y Educación en la Sociedad Digital. p.166
[2] Marcelo, C. (2001). Aprender a enseñar para la Sociedad del Conocimiento. Revista Complutense de Educación Vol. 12 Núm. 2 (2001) 531-593. Obtenido de http://revistas.ucm.es/index.php/RCED/article/viewFile/RCED0101220531A/16749Revista
[3] Imbernón, F. (2017). Ser docente en una sociedad compleja. Barcelona. Grao. p.21
[4] Marcelo, C. (2001). Aprender a enseñar para la Sociedad del Conocimiento. Revista Complutense de Educación Vol. 12 Núm. 2 (2001) 531-593. Obtenido de http://revistas.ucm.es/index.php/RCED/article/viewFile/RCED0101220531A/16749Revista
[5] Schön, D. (1983). The Reflective Practitioner. New York: Basic Books.
[6] Biesta, G. (2004). Against learning. Reclaiming a language for education in an age of learning. Nordisk Pedagogik,
23, 70–82.
[7] Biesta, G (2016). Devolver la enseñanza a la educación. Una respuesta a la desaparición del maestro. Pedagogía y Saberes No. 44. Universidad Pedagógica Nacional. Facultad de Educación. 2016. pp. 119–129. p.121
[8] Larrosa Bondía, J. (2019). Vindicación del estudio como concepto educativo: a propósito de aprender/estudiar una lengua. Teri. 31, 2, jul-dic, 2019, pp. 131-151
[9] MacClintoc, R. (1971).Towards a place for study in a world of instruction. Teachers College Record, 73(2), 161-205
[10] Larrosa Bondía, J. (2018). A contracorriente de las últimas tendencias, el especialista Jorge Larrosa propone no descartar la vieja escuela. Disponible en https://ladiaria.com.uy/educacion/articulo/2018/7/a-contracorriente-de-las-ultimas-tendencias-el-especialista-jorge-larrosa-propone-no-descartar-la-vieja-escuela/
[11] Biesta, G. (2012). Giving teaching back to education: responding to the disappearance of the teacher. Phenomenology & Practices, vol 6, No. 2, pp. 35-49.
[12] Biesta, G (2016). Devolver la enseñanza a la educación. Una respuesta a la desaparición del maestro. Pedagogía y Saberes No. 44. Universidad Pedagógica Nacional. Facultad de Educación. 2016. pp. 119–129. p.123
[13] García Moriyón, F. (2017). Prólogo al libro de Gert Biesta, El bello riesgo de educar. Madrid. Ediciones SM. p.11

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