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Uma luta para além de uma data

Nilma Lino Gomes*

No dia 25 de julho de 1992, o 1º encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas reuniu, na República Dominicana, mulheres negras da região para discutir sobre o racismo, o machismo, as violências e a resistência que tanto marcam as suas trajetórias, não somente nas Américas, mas em todo o mundo. A reunião teve tanta repercussão que fez com que a ONU, ainda naquele ano, reconhecesse a data como Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

Importante destacar que essa articulação das mulheres negras no evento de Santo Domingo nasceu de um histórico de lutas, dentre as quais, a realização dos Encontros Feministas Latino-americanos. Nesses encontros, as mulheres negras e ativistas pautaram a questão da raça, revelando as lacunas da luta feminista ao não considerar a presença do racismo como um fator que coloca as mulheres negras em situação de maior vulnerabilidade e violência quando comparadas com mulheres brancas.

Os altos índices de feminicídio, violência doméstica, assédio, disparidade salarial e falta de representatividade política e em cargos de liderança impactam fortemente a vida e as trajetórias das mulheres latino-americanas.

No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza. Estudos mostram que as mulheres negras permanecem sendo as mais exploradas e negligenciadas social e economicamente, além de mais atingidas pela violência. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, por exemplo, aponta que 62% das mulheres vítimas de feminicídio são negras. Nas demais mortes violentas intencionais (MVI), elas são 70,7% das vítimas.

A luta política das mulheres negras latino-americanas e caribenhas resultou em algumas mudanças. No Brasil, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.987/2014, que estabeleceu o dia 25 de julho, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Essa data é também um momento de realização de seminários, encontros, debates, palestras e discussão em todo o Brasil sobre dados e estatísticas alarmantes a respeito da situação das mulheres negras e a urgência de uma mudança nessa situação.

Além de compartilhar dos princípios do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, estabelecido em 1992, a Lei 12.987/2014 teve o propósito de dar visibilidade para o papel da mulher negra na história brasileira por meio da figura de Tereza de Benguela. Tereza foi a líder do Quilombo Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Durante 20 anos, ela liderou a resistência contra o governo escravista do século XVIII e viveu até 1770, quando o quilombo foi destruído e a sua população dizimada.

É fundamental que os países formulem políticas públicas de igualdade de gênero e raça sob uma perspectiva interseccional. Só assim, América Latina e Caribe poderão superar o quadro de desigualdades raciais, de gênero e de orientação sexual existente na região rumo a equidade e ao desenvolvimento sustentável.

Na América Latina, todas as lutas por direitos sociais e, especial, pelos direitos das mulheres e contra a violência deveriam somar-se às propostas das organizações de mulheres negras da diáspora da região.

É importante refletir sobre o dia 25 de julho em articulação com mais um marco internacional de direitos para as pessoas afrodescendentes: a Década Internacional dos Afrodescendentes, estabelecida pelas Nações Unidas para o período 2015-2024, numa clara demanda por reconhecimento, justiça e desenvolvimento dessas populações.  Falta-nos, ainda, nas ações em torno da Década, pautar com mais veemência a luta, a resistência e construir políticas públicas de promoção da equidade de gênero e raça com enfoque nas mulheres negras.

*Ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e consultora de Políticas Antirracistas da Fundação Santillana

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